quinta-feira, 4 de outubro de 2012

diferenciando Obatalá do Deus Cristão


As crenças originalmente africanas, de modo geral, acreditam em uma origem comum para tudo que existe, uma Unidade que a tudo abrange, algo impessoal, imparcial e absoluto. Esta "Unidade" era conhecida por nomes diferentes em cada região Africana, os mais comuns eram Zambi, Olurum, ou Obatalá.

Diferente dos demais Orixás (que nada mais eram que qualidades derivadas dessa unidade absoluta, manifestações da pluralidade cósmica) Olurum não era cultuado, ou mesmo representado, realmente era mesmo pouco pronunciado. Para ELE (ou Aquilo) não eram realizadas oferendas, e muito menos feitos pedidos, porque se compreendia que Aquilo era o Todo, portanto como poderia o Todo interceder por uma ínfima parcela?

Muito diferente do Deus Cristão, Zambi não era Alguém, mas Algo, que não podia ser definido por palavras ou imagens. Na África ninguém costuma dizer, "vá com Zambi",  ou "fique com Obatalá", assim como não havia pessoas com Olurum, ou sem Olurum no coração. Aquilo é TUDO, ele não vai, não fica, não volta, simplesmente está em todos os lugares, é tudo que existe, eu não posso ficar sem ele, ou me ausentar dele, me separar, pois eu também Sou uma parcela do todo.

Se este é o caso, porque no Brasil muitas pessoas acham que não há diferença entre este conceito e o do Deus Cristão? Creio que este fator tem dois motivos, primeiro por causa do sincretismo (pois os escravos eram obrigados a crer nos mitos cristãos, então eles "disfarçavam os seus" para ficar semelhante), e posteriormente pelo medo e preconceito, pois para a grande maioria das pessoas (ainda é assim) o que não é Cristão, não pode ser do bem (mesmo que os maiores crimes e genocídios da história humana, tenham sido a grande maioria em nome do Deus Cristão, lembrando que é o mesmo Deus dos Judeus e Muçulmanos).

O outro motivo é que no Brasil, essencialmente quase todo mundo é católico, nosso senso mais recente comprova este fato. Bem, eu sei que muita gente se declara católico no senso apesar de frequentar mais os terreiros (ou centro espíritas, templo budistas, etc.) do que as igrejas, mesmo assim o molde mental da grande maioria provém da doutrinação da igreja romana. Nosso país tem essa característica, o cidadão sai da igreja, mas leva junto consigo Deus, Jesus e diversos outros conceitos (e preconceitos), muitas vezes ousando descaracterizar outras crenças. Isto acontece seguidamente com as filosofias orientais, que no Brasil ganham "Deus de brinde", conceito inexistente no oriente. Muitas vezes a ousadia é tanta, que tentam empurrar até Jesus no pacote.

É uma questão cultural, acima de tudo, a prova disso é que muitos dos "sem religião" costumam crer em Deus e Jesus (as vezes até em vários santos, anjos, etc.). Não tem jeito, não adianta dizer que é ateu, você vai ouvir um "fica com Deus", ou um "vai com Deus", seguidamente. Não tem escapatória, são conceitos quase unânimes, o jeito é levar na "esportiva" e quando surge oportunidade, dar aquela alfinetada só para sacudir um pouco a inércia mental da população.

Porém algo que me incomoda bastante é aquela frase feita muito típica, que afirma que: "O Deus é o mesmo em todas as religiões", porque na verdade, não é. Quer dizer, ele pode ser o mesmo nas religiões derivadas da cultura Hebraica, Cristianismo, Judaismo, Islamismo, etc., esses realmente creem na mesma coisa, só muda o profeta e a versão final da literatura sagrada.

Agora, nas outras religiões, dizer que se trata do mesmo Deus é só mais uma tentativa de enfiar tua crença goela abaixo do teu próximo (aquele que frequentemente tu afirma amar e respeitar). Quer dizer, o próximo pode ter outra crença, desde que no fundo seja igual a sua? Só o nome pode ser diferente? Que tipo de liberdade é essa? E se não for pedir demais, coloca Jesus aí, tipo num lugar em destaque no teu altar, como sendo o mais importante. Mas não vai me dizer que budista não acredita em Jesus?

Isto não é nem de longe respeitar a crença do outro, isto é imposição, a todo custo, nem que seja deturpando e descaracterizando totalmente a fé alheia.

Mas então não é o mesmo Deus? NÃO, não é.

Como eu já disse, nas culturas orientais nem ao menos existe Deus, pois trata-se de "outro" modo de compreender o mundo, mais filosófico e científico, no oriente o homem é uma divindade que faz parte da natureza, está conectado com tudo que existe, não necessitando portanto de intermediários e muito menos de submissão.

Quanto às tradições ameríndias e africanas, os conceitos também são muito diferentes, a origem de tudo está mais vinculada à própria natureza do que a seres extracósmicos (em outros textos esclarecerei melhor esta questão).

Apesar disso, é claro, no Brasil tudo isto já virou "samba" há muito tempo, Tupã (que nem ao menos era uma divindade para os índios) já virou sinônimo de Deus, assim como Olurum, Obatalá, ou Zambi, para o brasileiro comum, tudo se resume ao Deus cristão.

Sei que muitos devem estar se questionando: Mas não são conceitos diferentes para a mesma "coisa"? Não, definitivamente não são, pois se os conceitos são opostos, como podem ser equivalentes? 

Sei que para muitos é uma questão de interpretação, mas no meu ponto de vista, não é, sabe porquê? Porque eu creio sim em Zambi, porém o Meu Deus não é o mesmo que o Deus cristão, simplesmente porque:

  • O meu Deus não condenou a humanidade;
  • o meu Deus não criou nenhum inferno;
  • o meu Deus não criou nenhuma entidade maligna que castiga (Diabo);
  • o meu Deus não expulsou ninguém de nenhum paraíso;
  • o meu Deus não inventou pecados e portanto não condena;
  • o meu Deus não "afogou" quase todos os seres vivos do planeta (Dilúvio);
  • o meu Deus não precisa ser louvado e adorado para salvar ninguém;
  • o meu Deus não enviou o próprio filho para a morte certa;
  • o meu Deus não pediu para nenhum seguidor matar o próprio filho em seu nome;
  • o meu Deus não coloca a mulher como inferior ao homem;
  • o meu Deus não condena os homossexuais;
  • e principalmente, em nome do meu Deus, não houveram guerras santas, inquisições, nem nada do tipo.
e por aí vai...

Claro que muitos desses fatos citados são simbólicos, míticos, porém como a maioria das pessoas interpreta como sendo literais, me obrigo a fazer o mesmo.

Pelos motivos culturais citados, compreendo que muitos serão incapazes de compreender e/ou aceitar este conceito, portanto não peço que você entenda ou acredite, só que respeite.

Respeite quem já se libertou destes condicionamentos mentais do ocidente, não venha jogar toda essa sujeira e todo esse sangue derramado em nome do teu Deus em cima do meu.

Você é livre para crer no que considera mais confortável, realmente não peço que mude, só imploro que respeite quem crê em algo diferente, ou mesmo quem não crê em nada, pois está no direito de cada um. Faça isso sem hipocrisias, sem querer "infiltrar" a todo custo tua crença na do outro.

Crer nisso, naquilo ou em nada, é direito constitucional do cidadão, nenhum de nós tem a garantia de estar realmente certo.

Pense nisso.

CAMOS

2 comentários: